domingo, 10 de outubro de 2010

Sobre a entrevista do Professor Carrilho à SIC Notícias II

Na mesma entrevista o Professor Carrilho, como Embaixador na UNESCO, assumiu a sua total discordância com a opção política do Governo português em apoiar, no ano passado, o candidato egípcio para Director-Geral daquela organização internacional. Enfatizou, jamais votaria num candidato, que se declarara pronto a queimar todos os livros israelitas depositados em bibliotecas egípcias. Contudo, as instruções acabaram por ser seguidas, pois um dos outros funcionários depositou o voto em nome de Portugal, conforme fora decidido em Lisboa. Mostrou-se ainda ofendido pela forma como soube, recentemente, que não iria continuar no cargo.
O primeiro aspecto deste caso é a escolha de Carrilho para Embaixador. Perante o deserto de personalidades que os partidos políticos se vêm transformando, nomeadamente o socialista, não há muitos (e se os há, andam muito escondidos) militantes com o “perfil” (como agora se diz) articulado e “culto” do mencionado professor universitário de filosofia. Ficava bem um intelectual em Paris. Ainda por cima, enquanto foi Ministro da Cultura passeou-se pelo festival de Cannes com o realizador Manuel de Oliveira e pareceu manter relações cordiais com o seu homólogo gaulês da época ou com instituições culturais francesas. Depois da sua fracassada candidatura à Câmara Municipal de Lisboa, o Secretário-Geral do PS e PM mostrava a sua magnamidade ao escolhê-lo para aquela função apagada, mas prestigiante. Esperava, certamente, que o Professor se mostrasse agradecido. Por outro lado, transformava a capital francesa numa espécie de lar de reformados do seu partido, pois o Professor Carrilho juntava-se ao seu camarada e ex-Secretário-Geral Dr. Ferro Rodrigues, actual Chefe da Missão na OCDE e ainda ao ex-Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Embaixador Seixas da Costa junto do Eliseu. Eram ex-colegas do actual PM no primeiro Governo Guterres e mereciam essa prova de consideração. Salazar tinha feito o mesmo com o Embaixador Marcello Mathias, assim como vários governos constitucionais pós-25 de Abril de 1974. Paris é sempre Paris e não interessa que a actual maioria francesa e o Presidente de França não sejam socialistas - um detalhe sem importância.
Todavia, o PM ou o Ministro de Negócios Estrangeiros subestimaram o carácter inconformista de Carrilho e perante o assunto mais importante, que poderia surgir a um Embaixador de Portugal na UNESCO, o verniz estalou. O embróglio resultou, no fundo, da “imagem” projectada pelo Professor Carrilho e o fascínio que provocou no Governo. O “deslumbramento” pode ter consequências, mesmo diplomáticas: ninguém acredita que Portugal na UNESCO tenha saído prestigiado junto dos outros países membros. Não foi o Chefe de Missão português a exercer o direito de voto do seu Estado num momento tão importante para aquela organização das Nações Unidas. Pormenor de alguma importância no contexto da candidatura portuguesa a um lugar não-permanente do Conselho de Segurança, cuja primeira votação está prevista para o dia 12 deste mês.

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