sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Na China nada é celestial - Prémio Nobel da Paz.

O Império Celestial, com mais de cem séculos, só se abriu ao exterior, há cerca de trinta anos. Atendendo ao seu imenso território e enorme população, a abertura teve um impacto muito significativo. A actual globalização e China são duas faces da mesma moeda. Estão intrinsecamente ligadas. As potências ocidentais ficaram seduzidas pelo crescimento económico chinês. E alicerçadas num aparente e irredutível  pragmatismo preferem olvidar os valores democráticos e os direitos humanos (tão importantes para outras regiões do mundo), face aos herdeiros de Deng Xiaoping. As autoridades chinesas estão conscientes dessa atitude pragmática das passadas duas décadas e têm procurando expandir a sua esfera de influência, nomeadamente em áreas marítimas limítrofes. O Japão e as Filipinas vêm sentindo essa pressão político-militar.

Todavia, os países do ocidente tecnologicamente desenvolvidos demonstram, nos últimos tempos, menor grau de tolerância em relação à arrogância da República Popular da China. A sua insistente manipulação cambial e monetária, mantendo a respectiva moeda subavaliada, assim como os salários chineses artificialmente baixos, distorcem o valor de trocas comerciais, contribuindo para o aumento dos défices comerciais dos seus principais parceiros económicos. A maioria destes últimos, já antes da crise, apresentavam contas muito desequilibradas. O Congresso dos Estados Unidos projecta legislação para enfrentar o problema da manutenção artificial de câmbios desiguais relativamente ao dólar. Depois, a recente conferência promovida pelo FMI para abordar as questões cambiais parece não ter produzido consensos ou resultados.

Não sei se foi propositado por parte do Comité Nobel norueguês, que gosta de provocar controvérsia. Contudo e naquele contexto, é muito oportuna a atribuição do Prémio Nobel da Paz a um dissidente chinês. Aumenta ainda a consciência entre as autoridades chinesas, que a exportação de bens manufacturados implica também a importação de todo o tipo de ideias e não apenas tecnologia. Aliás, já devem estar bem cientes dessa realidade, considerando a crescente existência de novos e complexos problemas sociais, principalmente nas suas cidades.Claro, as pobres empresas norueguesas e, talvez, suecas com negócios na China são capazes de sofrer algumas dificuldades acrescidas. Mas, que se saiba, os chineses não são apreciadores de bacalhau, a não ser, eventualmente, alguns dos muitos que vivem em Portugal. Portanto, a saudável economia petrolífera norueguesa não corre riscos. O aparente monolitismo chinês não é ameaçado, porém fica incomodado. A realidade chinesa nunca foi celestial, até porque o azul nunca foi a cor favorita. No passado, os imperadores preferiram, como no presente os actuais dirigentes comunistas, o vermelho.

Infelizmente, a mulher do nobel chinês ainda vai ter que esperar para ver o marido sair da prisão. A China não é Myanmar e portanto Liu Xiabo deverá aguardar menos tempo que Aung San Suu Kyi pela liberdade; no entanto muito mais tempo para que os direitos políticos e civis democráticos passem a fazer parte do quotidiano chinês. E para isso acontecer será necessário um novo e muito diferente Confúcio.
        

1 comentário:

  1. A atribuição do prémio a Liu Xiaobo foi uma excelente provocação. Serve até para que certos estados não ignorem a sua incoerência quando exigem que direitos fundamentais sejam salvaguardados. Espectacular foi o silêncio geral da EU e dos EUA durante a revolta Uyghur no ano passado na China ocidental. Neste caso, a Turquia foi a grande porta-voz de descontentamento, solicitando que os seus primos turcos da China fossem protegidos. Nisto tudo, somo depois nós europeus que criticamos a Turquia. Incoerências da política.

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